sexta-feira, 11 de julho de 2014

A Banalização das Prisões Preventivas

Em um contexto geral, é sabido que o Poder Judiciário, em muitas das vezes, vai na via inversa do que prega a nossa legislação, interpretando os dispositivos a seu bel prazer, visando, primordialmente, transparecer para sociedade uma imagem de efetividade, de força e de altivez.

Esta constatação possui uma relevância ainda maior na seara criminal, que, em nosso ordenamento jurídico, é a chamada “ultima ratio”, ou a ciência da intervenção mínima, da subsidiariedade, que é somente utilizada nas situações de maior repulsa social, em que outros ramos do direito não possuem a possibilidade de tutelar.

Neste cenário, tem-se como ideia central, o fato de que este campo do direito deve ser interpretado e, principalmente, aplicado aos casos concretos com a máxima acuidade, sob pena dos operadores do direito invadirem a seara da arbitrariedade, do uso desmedido dos dispositivos legais, ou, de forma mais leiga, do uso da força em oposição a legalidade.

É neste dado momento que entendo estar existindo uma grande inversão de valores no Direito Penal Brasileiro, consubstanciada, principalmente, no uso aleatório e desmedido do instituto da prisão preventiva, que, diga-se de passagem, é tido em nosso ordenamento jurídico como situação excepcional, que somente pode ser decretada quando presentes, de forma contundente, os requisitos constantes no art. 312, do Código de Processo Penal, quais sejam:

- Garantia da Ordem Pública: Quando o suspeito ou réu se constituir em um risco a sociedade, em razão da possibilidade de cometer delitos.

- Garantia da Ordem Econômica: É utilizada para crimes contra ordem econômico-financeira, com a mesma linha de raciocínio exposta para “garantia da ordem pública”.

- Conveniência da Instrução Criminal: Se dá quando existem fortes indícios de que o acusado irá “atrapalhar” a instrução criminal. Exemplo clássico é a ameaça a testemunhas.

- Aplicação da Lei penal: Subsiste em situações que resta demonstrado um sério risco de fuga.

- Somado a um ou mais destes requisitos a Autoridade Coatora (aquela que decreta a prisão) deve demonstrar que existe a prova da existência do crime (a materialidade) e o chamado indicio suficiente de autoria, que, em verdade, é o suporte probatório mínimo de provas que permita inferir que o individuo é o responsável por cometer determinado delito.

Como forma de arrematar o pensamento até então delineado, cumpre destacar o art. 5º, LIV, da Constituição Federal, que assevera “que ninguém será privado de sua liberdade sem o devido processo legal”. Assim, devemos entender que a regra é que alguém somente possa sofrer restrições em sua liberdade havendo contra si um título executivo penal transitado em julgado.

Toda esta conjuntura buscou apenas demonstrar que o ordenamento jurídico prevê uma série de mecanismos visando evitar que a prisão preventiva seja utilizada de forma descabida. O intuito da Lei é dar a este instituto um verdadeiro caráter de excepcionalidade. Nos dizeres do consagrado Luiz Flávio Gomes, a prisão preventiva é a extrema ratio, até porque existem outros meios no ordenamento jurídico, para garantir a presença do réu nos atos processuais e a conveniência da instrução criminal, a exemplo das medidas cautelares insculpidas no art. 319, do Código de Processo Penal.

Trazendo este panorama para um contexto prático, vemos que, em diversos casos, a prisão preventiva é utilizada de forma indevida, sob fundamentos esdrúxulos, como o clamor social, ou, ainda, para delitos que de forma alguma permitem a incidência deste instituto, em razão do quantitativo da pena máxima em abstrato prevista para os mesmos.

Caso que está em bastante evidência, e que denota de forma voraz esta conjuntura é a decretação da prisão preventiva de 11(onze) dos 12 (doze) indivíduos que estão sendo investigados pela prática dos crimes de Cambismo e Associação Criminosa durante a Copa do Mundo. Esta prisão é absurda.

Sem adentrar no mérito desta incoerente figura típica que é o Cambismo, haja vista que milhares de pessoas seriam presas, se este delito fosse realmente levado a sério, tem-se que este crime previsto no art. 41-F, do Estatuto do Torcedor, bem como o novo delito de Associação Criminosa, preconizado no art. 288, do Código Penal, possuem penas pouco expressivas, que somadas, em seu teto máximo, atingem a importância de 05 (cinco) anos.

Em outras palavras, caso estes indivíduos sejam condenados ao final do processo, se for fixada a pena máxima, o que com certeza não ocorrerá, já que são em sua imensa maioria réus primários, eles seriam submetidos ao Regime Semiaberto. Isso, por si só, denota a arbitrariedade destas prisões preventivas, que servem, em verdade, de arcabouço para a tentativa do Brasil mostrar para o mundo, a efetividade de um Poder Judiciário, que, na realidade prática, sabemos que não existe.

É lastimável a banalização das prisões preventivas, que contribuem decisivamente para o aumento da população carcerária e, via de consequência, para a situação deplorável em que se encontram as penitenciárias do nosso país.
Em dados concretos, segundo o novo levantamento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) a população carcerária de presos preventivos já foi de mais de 50%. Hoje, em decorrência das prisões domiciliares, este número está em 32%. Em Sergipe, este número já chegou a ser de 76%, isso mesmo, 76%, e hoje alcança o patamar de 43%.

Enfim, sem querer adentrar mais no mérito do falido sistema penitenciário que possuímos, que em verdade é uma “Escola do Crime”, encerro esta análise salientando que é preciso uma reformulação da visão do Poder Judiciário e da própria população acerca do instituto da prisão, que a cada dia se torna mais defasado e menos eficiente para cumprir a sua função social de punição e ressocialização.

“Jogar” supostos culpados nestas penitenciárias é conceber supostos criminosos, é contribuir para a piora deste sistema carcerário, é utilizar a prisão preventiva de forma arbitrária, em situações em que não estão presentes, de forma reluzente, os requisitos para medida tão drástica. A Justiça não pode ser “de faz de conta”, imediatista. A Justiça precisa, a cada dia, fortalecer a sua credibilidade, mas sem fugir dos ditames da lei, ai estando englobados os princípios da dignidade da pessoa humana, da razoabilidade, da presunção de inocência, da necessidade e da fundamentação das decisões judiciais.




quarta-feira, 14 de maio de 2014

A Lei de Execução da Pena e a sua equivocada interpretação pelo Ministro Joaquim Barbosa

Confesso que sempre fui um fervoroso admirador do Ministro e atual Presidente do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa. É fato. Sua postura de independência e altivez, demonstrada, notadamente, para a população brasileira de um modo geral, no caso da Ação Penal nº 470 – O Mensalão – sempre foram uma verdadeira fonte de inspiração.

Inobstante esta constatação, tenho que admitir que o eminente Ministro, em sua luta incessante para demonstrar a força do Poder Judiciário Brasileiro, tem deixado de lado o correto aspecto técnico que deve, obrigatoriamente, integrar uma decisão judicial, para, em contrapartida, solidificar a sua rígida postura em face, especialmente, dos mensaleiros, a exemplo do ex-ministro José Dirceu e o ex-deputado Joao Paulo Cunha.

Um Magistrado deve ser um correto aplicador da lei, interpretando-a de acordo com o disposto na Carta Magna – a Constituição Federal. Em outras palavras, decisões judiciais não devem ter um condão político, ou mesmo servir de instrumento para demonstrar a sociedade uma resposta que a lei não permite. A imparcialidade, pedra angular do exercício da Magistratura deve ser preservada, pois, do contrario, o Juiz deixa de ser um julgador e se transforma em um verdadeiro persecutor.

Trazendo esta conjuntura para uma realidade pratica, salta os olhos a decisão proferida pelo Ministro Joaquim Barbosa no sentido de negar o trabalho externo aos mensaleiros condenados ao regime Semiaberto. Trata-se de uma verdadeira anomalia jurídica e um atentado aos direitos fundamentais, que são parte integrante de todo e qualquer cidadão, mesmo os que se encontram recolhidos em penitenciárias.

Dito isto, cumpre tecer alguns esclarecimentos acerca do Regime Semiaberto. Em tese, neste regime, o apenado deve cumprir a pena em Colônias Agrícolas, Industriais ou similares. Em razão do Brasil, de um modo geral, nunca ter cumprido a determinação legal e construído as mencionadas colônias, já é postura pacificada e uníssona dos nossos Tribunais, permitir que o apenado ao cumprimento da pena no regime semiaberto exerça o trabalho externo durante o dia, e volte no período noturno a se recolher na penitenciária. Tal medida visa primordialmente a reinserção e a reintegração social do condenado.

Frise-se: O Trabalho é condição sine qua non do Regime Semiaberto. É meio de ressocialização. O que fez o eminente Ministro foi dar uma interpretação totalmente restritiva a uma parte do art. 37, da Lei de Execução Penal, visando prejudicar os mensaleiros condenados ao Regime Semiaberto. Em sua decisão, Joaquim Barbosa alegou que para iniciar o trabalho no referido regime, o apenado deve ter cumprido 1/6 da pena. Isso não é a verdade que transparece no ordenamento jurídico pátrio.

É primado básico da Hermenêutica o fato de que as leis devem ser interpretadas de modo sistêmico, em conjunção com outros dispositivos, de modo a proporcionar a harmonia do ordenamento jurídico vigente. O cumprimento de 1/6 da pena presente no art. 37, da LEP, não é visto com bons olhos por praticamente toda a comunidade jurídica brasileira, haja vista que este pensamento termina por dar tratamento de Regime Fechado, ao apenado que se encontra em Regime Semiaberto.

Neste compasso, veja-se esclarecedora decisão do Superior tribunal de Justiça (STJ):

EXECUÇÃO PENAL. PENA DE RECLUSÃO. PRISÃO DOMICILIAR. PRESSUPOSTOS. INEXISTÊNCIA. LEP, ART. 117. BENEFÍCIO DO TRABALHO EXTERNO. CONCESSÃO DE OFÍCIO.
- Somente é admissível o cumprimento de pena em residência particular se o condenado beneficiário do regime aberto enquadra-se em uma das situações previstas no art. 117, da Lei de Execução Penal.
- Admite-se o benefício do trabalho externo ao condenado que inicia o cumprimento da pena em regime semiaberto, independentemente do cumprimento de 1/6 da pena, se a situação fática e as condições pessoais do paciente o favorecerem. Precedentes.
- Na espécie, a paciente é possuidora de bons antecedentes, tem residência fixa e trabalha há três anos como empregada doméstica para a mesma família, possuindo ainda dois filhos menores que vivem as suas expensas. Habeas corpus concedido. (STJ - HABEAS CORPUS Nº 17.035 – SP)

Não pode se fundamentar a decisão no fato da ineficiência estatal em fiscalizar o trabalho externo desempenhado pelos apenados. Eminente Ministro, eles não estavam cumprindo a pena da forma que desejam, como salientado na decisão que revogou o direito ao trabalho externo, eles estavam cumprindo a pena da forma que a lei preconiza e da forma que todos os Tribunais pátrios e o próprio STJ tem entendido.

A alegação de que eles podem executar trabalho dentro das penitenciárias é um ultraje. Ora, o trabalho dentro das penitenciarias é típico do Regime Fechado. Estes mensaleiros foram condenados ao regime semiaberto e devem receber tratamento que guarde consonância com este regime. É isso e ponto.

Não estou aqui para defender estes indivíduos que tanta repulsa me causam. Definitivamente não. Estou aqui para defender a Constituição, que é expressa ao denotar que a interpretação da Lei deve ser feita em favor do réu, da pessoa humana. Estou aqui para afirmar que é impossível que praticamente toda a comunidade jurídica pense de uma forma e o Presidente do Supremo pense de outra.

Sem trabalho externo resta descaracterizado o regime semiaberto, o qual estes mensaleiros foram condenados. O crime por eles cometido é de extrema gravidade, e ao meu ver merecia uma reprimenda legal maior, inclusive para que fossem submetidos inicialmente ao Regime Fechado. Mas é certo que, se isto não ocorreu, não pode o Estado se utilizar de meios ardilosos para impor aos mesmos este regime mais gravoso de cumprimento da pena.

O pior disso tudo é que existirá uma grande possibilidade destes indivíduos pleitearem ações de indenização cível em face do Estado, visando serem ressarcidos moralmente e materialmente, por estarem recolhidos indevidamente nos estabelecimentos penitenciários, sendo-lhes privado o direito constitucional ao trabalho.

E ainda mais estarrecedor, este dinheiro que pagará estas indenizações, já que o plenário do STF certamente deverá cassar a decisão monocrática do Ministro Joaquim Barbosa, sairá dos nossos bolsos, dos nossos impostos, para novamente ir para os bolsos deles!


quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Análise do caso Santiago Andrade – Jornalista morto da TV Bandeirantes – Parte 1

As manifestações e as atitudes repudiantes de violência praticadas por alguns grupos que nela se infiltram com o intuito de propagar o medo, a depredação e o confronto, chegaram ao seu ápice nesta última semana com a morte do jornalista cinematográfico da TV Bandeirantes, Santiago Andrade.

Vemos que a situação tomou proporções extremas e a mídia, as entidades representativas de diversos seguimentos, exercem uma grande pressão sobre as autoridades públicas para que o caso seja resolvido de forma rápida e severa, punindo-se os responsáveis com o maior rigor possível. Espero, sinceramente, que toda essa pressão, não faça os operadores do direito que estarão envolvidos no caso, se esquecerem dos primados básicos da Lei penal brasileira, isto porque o caso em tela guarda em seu âmago diversas nuances que precisarão ser analisadas com bastante frieza, senão veja-se:

Primeiramente gostaria de falar sobre o possível indiciamento dos acusados, que ao que tudo indica, os mesmos serão enquadrados pela prática de Homicídio doloso qualificado, ou seja, quando existe a manifesta intenção de ceifar a vida de outrem.

Cumpre destacar que o caso trata-se de situação que configura o chamado “ERRO NA EXECUÇÃO”, já que em tese os agentes pretendiam acertar o material explosivo nos policiais, ou simplesmente assustá-los, mas em virtude de um acidente alheio as suas vontades, a bomba lançada atingiu a cabeça do jornalista que filmava o confronto.

Numa explicação simples, no erro de execução, o direito dá uma solução interessante: Como consta no art. 73, do Código Penal, o agente responde como se tivesse praticado o crime contra quem pretendia praticar. Em outras palavras, a lei considera a vontade inicial do agente - deve-se considerar como praticado o crime contra a pessoa pretendida, não contra a atingida. Na situação vertente, alegam as autoridades policiais responsáveis pelo inquérito que o intento dos investigados era ceifar a vida dos policiais com quem confrontavam naquele momento, para assim responderem pelo crime de homicídio doloso qualificado.

Desta assertiva lanço a primeira indagação, que certamente será exaustivamente debatida no bojo do processo criminal: Será que a verdadeira intenção dos agentes ao lançarem aquela bomba foi matar os policiais?

E mais: Eles tinham plena consciência de que o material utilizado tinha o potencial lesivo de causar a morte de um individuo?

Não cabe a mim responder esses questionamentos, mas o certo é que eles só poderão ser penalizados pela pratica de Homicídio doloso na forma qualificada, em que a pena é de 12 a 30 anos, se as respostas para tais perguntas forem afirmativas, o que deverá ser cabalmente demonstrado pelo órgão acusatório nos autos do processo a ser movido em face dos ora investigados.

O homicídio doloso pressupõe que o agente tenha a vontade e a consciência livre de que a sua conduta irá resultar na morte de um indivíduo. Em nosso direito penal, o elemento subjetivo é condição primordial para o enquadramento do delito a uma determinada situação fática.

Em síntese, deve o agente responder de acordo com a sua intenção, com o seu desígnio, existindo em nosso Código Penal, apesar de notadamente ultrapassado, meios de qualificar a pena em caso do resultado ter sido o diverso do pretendido pelo agente, seja para diminuir a reprimenda, como no caso da Tentativa de Homicídio, seja para aumentá-la, como no caso da Lesão Corporal grave seguida de morte.

Trazendo este contexto para o crime que ora se debruça, gostaria de enfatizar as prováveis teses defensivas. A primeira deverá ser baseada na pratica do crime de Homicídio Culposo, quando não existe a intenção de matar e o delito ocorre em razão de uma conduta negligente, imperita ou imprudente do agente; subsidiariamente a defesa deve alegar a prática do delito de Lesão Corporal grave seguida de morte, prevista no art. 129, § 3º, do Código Penal.

A tese de homicídio culposo, com pena de 01 a 03 anos, certamente estará lastreada no fato de que os agentes não pretendiam acertar especificamente os policiais, ou qualquer outro individuo. Em verdade, deve-se alegar que a pretensão seria jogar o instrumento explosivo para cima visando assustar os policiais com quem confrontavam, mas por negligência e imperícia no uso da bomba, a mesma acabou atingindo a cabeça do jornalista, que acabou vindo a óbito.

Neste sentido, veja-se o que diz o art. 74, do Código Penal:

“Fora dos casos do artigo anterior, quando, por acidente ou erro na execução do crime, sobrevém resultado diverso do pretendido, o agente responde por culpa, se o fato é previsto como crime culposo; se ocorre também o resultado pretendido, aplica-se a regra do art. 70 deste Código.”

Esta tese está sendo aqui demonstrada com base no que foi dito pelo segundo individuo preso a sua mãe em ligação telefônica. Veja-se parte da reportagem divulgada pelo Jornal “Globo Rio”, edição de 12.02.2014, publicado às 09:26 horas:

Desesperada, a mãe, que disse ter reconhecido o filho nas imagens de TV, contou que não foi procurada por nenhum político e que o filho só não se entregou à polícia porque nenhum advogado ofereceu ajuda jurídica à família.

— Ele me disse: “Mãe, foi um acidente. A gente só usa a bomba para fazer barulho e assustar a polícia. Nunca tive a intenção de jogar em ninguém”.



A outra tese que certamente deve ser levantada pela defesa reside na desclassificação do crime de homicídio doloso para Lesão Corporal grave seguida de morte. Neste cenário, veja-se o que preconiza o art. 129, § 3º, do Código Penal:

Art. 129 - Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem:
§ 3º - Se resulta morte e as circunstâncias evidenciam que o agente não quis o resultado, nem assumiu o risco de produzi-lo:
Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 12 (doze) anos.

Neste caso, a defesa deverá alegar a existência do chamado crime preterdoloso, em que o agente tinha inicialmente a intenção de praticar um crime menos grave, porém obtém um resultado mais danoso que o pretendido. Noutros dizeres, os agentes pretendiam inicialmente ferir os policiais com o material explosivo, mas por culpa, em suas modalidades negligência e imperícia, acabaram ceifando a vida do jornalista, o que caracterizaria o erro na execução, já explanado, e, via de consequência, o crime de Lesão Corporal grave seguida de morte, que tem uma reprimenda menor do que o crime de homicídio doloso qualificado.

Vale ressaltar as explicações aqui lançadas são meramente ilustrativas, com base em uma analise superficial deste caso que obteve tanta repercussão na mídia nacional. Repise-se: Trata-se de uma analise jurídica, sem ser tendenciosa, mas revelando alguns aspectos que indubitavelmente serão debatidos no processo criminal a ser instaurado pelo Ministério Público.

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Lei Anticorrupção (12.846/2013) – Punição de empresas por fraudes

Após 07 (sete) meses da grande onda de protestos que emergiu na sociedade brasileira, ainda vemos, mesmo que timidamente, os reflexos da luta popular por mudanças em nosso sistema político, em nossas relações sociais.

Entra hoje em vigor a nova Lei 12.846/2013 que, em apartada síntese, prevê a responsabilidade objetiva das empresas nacionais ou estrangeiras, com sede ou filial em território brasileiro, por atos de fraude e corrupção. Mas o que isso significa dizer?
Em verdade, a partir de agora não é necessária à demonstração da culpa ou do dolo da empresa em lesar a administração pública, ou mesmo atentar contra a boa fé das relações comerciais, bastando que se comprove a existência de atos fraudadores, independente da responsabilidade individual de seus sócios, diretores ou funcionários, haja vista que estes responderão separadamente, na medida de sua culpabilidade.

Cumpre salientar que, trata-se de uma responsabilidade no âmbito civil e administrativo, que visa primordialmente extirpar, mesmo que de maneira utópica, os mecanismos ilícitos utilizados pelas empresas e companhias, com o fito de obter grandes vantagens comerciais, notadamente indevidas, em detrimento da administração pública ou de outras empresas, inclusive no âmbito das licitações e contratos administrativos.

Assim, a mera alegação de que os atos ilícitos foram praticados por um ou alguns membros da sociedade empresária, não mais servem para isentar a firma de sua responsabilidade, posto que, como já salientado, a empresa responderá a eventual processo civil e administrativo independentemente da demonstração de culpa de seus dirigentes, administradores, ou qualquer pessoa natural que contribua para a ocorrência do(s) ato(s) ilícitos(s).

Vê-se que o dispositivo em comento possui um aspecto rixoso, intrigante, posto que se choca frontalmente com os interesses das grandes sociedades empresárias, que efetuam uma infinidade de relações negociais, e que podem, indubitavelmente, ser um alvo fácil das disposições constantes na Lei 12.846/2013. Isto porque, como também já explanado, a culpa da empresa se torna um fator irrelevante, na medida em que bastará que se demonstre a existência dos atos fraudadores elencados no art. 5º, do mencionado dispositivo.

Em razão disso, várias entidades empresariais tem se manifestado, questionando a legalidade e a própria constitucionalidade da lei que ora se debruça, senão veja-se trecho da nota publicada pela FecomercioSP:


“Caso fique provado que a empresa adotou todos os mecanismos de proteção e combate à corrupção e que, mesmo assim, ocorreu um fato alheio ao seu conhecimento (cometido isoladamente por determinado funcionário), ela não deverá ser responsabilizada, principalmente se colaborar com as investigações"


Não há duvidas que a Lei gera um temor e, via de consequência, a criação de uma nova mentalidade pelas sociedades empresárias, que terão que se preocupar com a chamada ética empresarial, objetivando prevenir os atos de corrupção. Esta nova mentalidade é denominada “compliance”, palavra do dialeto inglês e que em literal tradução significa conformidade.

Com a criação destes setores de ética dentro das empresas, os gestores passarão a se preocupar em detectar os atos ilícitos praticados por seus prepostos e administradores, para que não sejam alvo das duras penalidades previstas na nova lei.

As sanções, na seara administrativa, visam, precipuamente, atacar o patrimônio da empresa, além de atingir a imagem da mesma frente a sociedade e a seus fornecedores. Estes objetivos se materializam através da aplicação de multa que pode compreender 0,1% a 20% do patrimônio bruto da empresa, ou caso não seja possível aferir com exatidão este patrimônio, a multa será de R$ 6.000,00 (seis mil reais) a 60.000.000,00 (sessenta milhões de reais), além da decisão condenatória ser publicada, visando dar publicidade aos atos de corrupção praticados pela sociedade empresária.

A punição administrativa não impede a responsabilidade no âmbito judicial, que se dará mediante processo cível, em que a empresa poderá sofrer desde o perdimento de bens, valores, ou direitos, oriundos da infração cometida, até a dissolução da sociedade, caso o ato seja de gravidade exacerbada.

Vale destacar, ainda, dois mecanismos criados pela Lei 12.846/2013: O primeiro se refere a possibilidade de acordos de leniência junto as empresas investigadas, em que, a partir da colaboração da sociedade e de seus gestores para elucidação dos atos ilícitos praticados, se permite que o ente público abrande as penalidades a serem aplicadas; e, por outro turno, fica criado o CNEP – Cadastro Nacional de Empresas Punidas, onde se dará publicidade as decisões condenatórias proferidas.

O certo é que a Lei 12.846/2013 ainda precisará de uma maior regulamentação, sendo imperioso ressaltar que não será uma tarefa fácil dar real efetividade a este dispositivo legal, tendo em vista que existem grandes e vultuosos interesses envolvidos na aplicação das disposições constantes na referida lei, devendo o Estado se cercar de todos os meios para que os atos de corrupção praticados sejam realmente punidos com rigor, para que as propinas, o jogo sujo de interesses, a lei do mais forte, sejam realmente banidos das nossas relações comerciais.

Nos dizeres da Professora Heliosa Estellita: "O melhor remédio para que as pessoas não pratiquem crime é a certeza de que serão punidas."

terça-feira, 6 de agosto de 2013

Análise da Lei 12.850/2013 - Organização Criminosa

Foi sancionada no último dia 02 de Agosto de 2013 a Lei 12.850, que trouxe novos parâmetros para o Direito Penal brasileiro, especialmente no que cinge a definição de organização Criminosa, que era tida em nosso ordenamento jurídico como uma expressão vaga, uma verdadeira lacuna, que agora se encontra devidamente positivada, atendendo ao principio máximo da Legalidade.

A necessidade de esclarecimento e de tipificação da “Organização Criminosa” ganhou força durante o julgamento da Ação Penal nº 470 (Mensalão), quando os eminentes Ministros da nossa corte suprema (STF) Ricardo Lewandovski e Joaquim Barbosa travaram um acirrado embate acerca do real significado e do correto modo de utilização da sobredita expressão.

Além disto a Lei 12850 trouxe inovações significativas atinentes a investigação criminal e os meios de obtenção de prova, com destaque para figura da “colaboração premiada” e para inserção de novos meios tecnológicos a exemplo da captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos, previsto no art. 3º, II, do mencionado dispositivo.

Desta feita, insta trazer a baila o conceito de Organização Criminosa, que é marcada primordialmente pela presença de 5 (cinco) elementos basilares: a) Associação de 4 ou mais indivíduos; b) divisão de tarefas através de uma estrutura devidamente ordenada; c) objetivo de, direta ou indiretamente, obter vantagem de qualquer natureza; d) vantagem obtida mediante a prática de infrações penais; e) penas máximas em abstrato destas infrações penais superiores a 4 (quatro) anos ou se o delito tiver natureza transnacional.

O que salta os olhos, na análise fria da Lei que ora se debruça, são os parâmetros para aplicação da pena, que se constituem em um numerário certamente exacerbado, tendo em vista que a pena base é de 3 (três) a 8 (oito) anos, podendo ser aumentada a metade se a organização criminosa utilizar arma de fogo e, por outro lado, aumentada de 1/6 a 2/3 nos casos previstos no art. 2º, § 4º (participação de criança ou adolescente, se há concurso de funcionário público, se o produto da infração destina-se ao exterior, dentre outros).

Neste compasso, válido destacar a figura do funcionário público que pode ter o seu afastamento cautelar do cargo determinado pelo Magistrado processante e, quando da eventual condenação, sofrerá com os efeitos da perda do cargo ou mandado eletivo que perdurará pelo prazo de 8 (oito) anos subsequentes ao cumprimento da pena.

No que tange aos meios de obtenção de prova, além da permissão de utilização de inúmeras modalidades já consagradas em nosso ordenamento e da já comentada inserção de elementos tecnológicos, a Lei deu grande ênfase a figura da “Colaboração Premiada”, em que o integrante que corroborar de forma decisiva para investigação e para a descoberta de toda a estrutura da organização poderá receber o perdão judicial ou ter a sua pena de diminuída em até 2/3.

Ademais, o colaborador poderá, inclusive, obter benefícios se as suas informações forem fornecidas mesmo após a sentença condenatória, onde poderá ter sua pena reduzida a metade, ou ter concedido o beneficio da progressão de regime mesmo sem ter preenchido os requisitos objetivos.

A lei em comento ainda prevê: o uso da Ação controlada, que se constitui num retardamento da intervenção policial visando a obtenção de um acervo probatório mais significativo e a infiltração de Agentes, quando devidamente demonstrada a necessidade da medida, podendo o agente responder pelos eventuais excessos cometidos.

Válido salientar, ainda, o intento severo da lei, que traz em seu corpo crimes que podem ser cometidos durante a investigação criminal ou quando da obtenção de alguma prova. São eles: Revelar a identidade, fotografar ou filmar o colaborador; a denunciação caluniosa de pessoa que não integra organização criminosa e a recusa em fornecer dados ou documentos solicitados pelo Juiz, pelo Parquet ou pelo Delegado de Policia, no curso da investigação.

Por fim, a Lei 12.850/2013 ainda altera o texto do crime de Quadrilha ou bando, preconizado no art. 288, do Código Penal, visando assegurar que os dois dispositivos (art. 1º, §1º, da Lei 12.850 e art. 288, CP) convivam harmonicamente, o que acredito que será alvo de bastante discussão entre os penalistas brasileiros, em razão da certa similitude entre o conceito dos dois delitos e a própria discrepância entre as penas previstas para ambos.

Íntegra da Lei em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2013/Lei/L12850.htm

terça-feira, 18 de junho de 2013

É tempo de Revolução!

Confesso que estou comovido e confiante com esse momento social. Pela primeira vez, a nossa juventude, por conveniência ou não, une forças e se convence que não é mais possivel ficar inerte.

No começo pensei ser uma revolta isolada e até certo ponto agressiva, pleiteando contra o aumento das passagens de ônibus em São Paulo. Acredito que o próprio Estado e a mídia incitaram a população a adotar essa postura e expandir o ideal do movimento que hoje se vê, transformando o mesmo em uma grande luta contra todas as mazelas de nosso país.

Vimos no começo ordens notadamente ditatoriais, no sentido da policia reprimir com a força os agrupamentos que então surgiam a cerca de 5 dias atrás, e a midia fechando os olhos e tentando mostrar que tratava-se de movimentos ilegitimos, em sua maioria de vândalos.

Com a mobilização nacional, e o nascedouro deste ideal revolucionário na população brasileira, vemos este discurso mudar. A presidente Dilma Rousseff, hoje, ironicamente, se posicionou a favor dos movimentos sociais. Os governantes tentam garantir o direito constitucional de livre manifestação, e a Globo veicula as noticias de outra forma. Não tem outro jeito, o povo exige mudança e foram mais de 250 mil pessoas ontem nas ruas. O gigante acordou!

Essa luta é por aqueles que batalharam para que o Brasil deixasse de ser colônia, é por aqueles que deram a cara a tapa quando nos transformamos numa ditadura, por aqueles que pintaram o rosto e fizeram as diretas já. Esta luta HOJE, é para que todo este passado NÃO TENHA SIDO EM VÃO, pra que tudo que outras gerações conquistaram não seja esmigalhado.

Chega do jogo de interesses politicos, da ausência de ideologia partidária, de corrupção, de desvio das verbas que deviam ser implementadas na saúde, na educação de base, no transporte público. Chega de tantos "bolsas" e tão poucas oportunidades. Valorização aos nossos professores, aos nossos policiais e acima de tudo DIGNIDADE, essa luta é por isso, para que os nossos direitos sejam efetivados. Não vamos fazer disso algo isolado, nem um motivo de chacota.

Que bom que as nossas timelines estão cercadas de opiniões, que as pessoas estão revelando sua indignação. Chegou a hora de hora construir esse momento histórico com ATITUDE, mas acima de tudo com INTELIGÊNCIA, para que as nossas vozes sejam realmente ouvidas e ecoem como instrumento de mudança social!

sexta-feira, 26 de abril de 2013

Retrocesso Democrático – PEC 33

Foram séculos de luta, em que se ultrapassaram diversos processos sociais até que o estado brasileiro alcançasse a maturidade suficiente para a promulgação de uma Constituição antropocêntrica, cidadã - como bem disse o então Deputado Ulysses Guimarães, marcada pela força do povo e pela formação de um modelo inovador, consagrado pelo Estado Democrático de Direito, que propiciou ao povo a certeza do fim da ditadura, e o inicio de uma nova era.

Um dos principais traços da nossa Carta Magna é o que os juristas chamam do “sistema dos freios e contrapesos”, em que subsistem harmonicamente os três poderes: Legislativo, Executivo e Judiciário, devendo existir mecanismos que possibilitem que um poder impeça os abusos de outro. Sem querer aventar grandes delongas acerca deste aspecto, desde a sua criação em 1988, a Constituição brasileira criou um Poder Judiciário hierarquizado, em que os diversos princípios expostos na legislação pátria pudessem ser respeitados e efetivados.

Talvez o grande traço deste novo modelo do Poder Judiciário foi conseguir determinar com precisão as competências de nossas instâncias, e enfatizar o papel do Supremo Tribunal Federal como um verdadeiro guardião da Constituição, cabendo-lhe garantir que as leis devam ser criadas e interpretadas de acordo com o disposto no referido diploma.

Assim, fica claro, que a sua competência primordial é assegurar a constitucionalidade das leis, é proteger o ordenamento jurídico de textos tendenciosos, que possam vir a suprimir todas as garantias conquistadas pelo povo brasileiro no decorrer de todos estes séculos.

Aí me vem um indivíduo denominado Nazareno Fontenele (PT-PI) e apresenta um projeto de emenda à constituição, aprovada sorrateiramente pela Comissão de Constituição e Justiça, no sentido de submeter o controle de constitucionalidade realizado pelo STF ao crivo do poder legislativo, de onde emana e se origina estas leis. Isto sem se falar no aumento do quorum para aprovação da inconstitucionalidade de uma norma. Ora, isto é uma afronta, um desacato, uma verdadeira ofensa a nosso país e ao nosso povo.

É um verdadeiro retrocesso democrático, e como bem disse o Ministro Gilmar Mendes: “Eles [CCJ] rasgaram a Constituição. Se um dia essa emenda vier a ser aprovada é melhor que se feche o Supremo Tribunal Federal. É disso que se cuida".

Trata-se de uma medida arbitrária, de um projeto obscuro, talvez feito em uma atitude de retaliação ao julgamento da Ação Penal 470 (Mensalão), talvez seja uma forma de enfraquecer as bases sólidas do Poder Judiciário, talvez seja uma forma de garantir a permanência da enraizada corrupção, talvez seja isso tudo.

O que gera espanto é o próprio Ministro Lewandovski, como sempre, adotar uma postura que eu diria no mínimo suspeita, ressaltando que “os poderes agem dentro de sua esfera de competência, a meu ver, não há o que se falar em retaliação. E muito menos crise. Pelo contrário, os poderes estão ativos, funcionando e não há crise nenhuma.".

Como é possível conceber que diante de uma situação tão estarrecedora, um membro da corte suprema adote uma posição de neutralidade. Definitivamente, este homem, não me representa!

O certo é que a PEC 33 não pode avançar, ela representa um verdadeiro atraso, se constitui como um projeto absolutamente inconstitucional que fere flagrantemente os dizeres da nossa Constituição e o próprio Estado Democrático de Direito, pensar diferente, é olhar pra trás, é caminhar para o retrocesso, é transformar um dos poucos lugares que ainda tem a sua dignidade preservada em nosso país (o STF) em um teatro de fantoches!