sexta-feira, 11 de julho de 2014

A Banalização das Prisões Preventivas

Em um contexto geral, é sabido que o Poder Judiciário, em muitas das vezes, vai na via inversa do que prega a nossa legislação, interpretando os dispositivos a seu bel prazer, visando, primordialmente, transparecer para sociedade uma imagem de efetividade, de força e de altivez.

Esta constatação possui uma relevância ainda maior na seara criminal, que, em nosso ordenamento jurídico, é a chamada “ultima ratio”, ou a ciência da intervenção mínima, da subsidiariedade, que é somente utilizada nas situações de maior repulsa social, em que outros ramos do direito não possuem a possibilidade de tutelar.

Neste cenário, tem-se como ideia central, o fato de que este campo do direito deve ser interpretado e, principalmente, aplicado aos casos concretos com a máxima acuidade, sob pena dos operadores do direito invadirem a seara da arbitrariedade, do uso desmedido dos dispositivos legais, ou, de forma mais leiga, do uso da força em oposição a legalidade.

É neste dado momento que entendo estar existindo uma grande inversão de valores no Direito Penal Brasileiro, consubstanciada, principalmente, no uso aleatório e desmedido do instituto da prisão preventiva, que, diga-se de passagem, é tido em nosso ordenamento jurídico como situação excepcional, que somente pode ser decretada quando presentes, de forma contundente, os requisitos constantes no art. 312, do Código de Processo Penal, quais sejam:

- Garantia da Ordem Pública: Quando o suspeito ou réu se constituir em um risco a sociedade, em razão da possibilidade de cometer delitos.

- Garantia da Ordem Econômica: É utilizada para crimes contra ordem econômico-financeira, com a mesma linha de raciocínio exposta para “garantia da ordem pública”.

- Conveniência da Instrução Criminal: Se dá quando existem fortes indícios de que o acusado irá “atrapalhar” a instrução criminal. Exemplo clássico é a ameaça a testemunhas.

- Aplicação da Lei penal: Subsiste em situações que resta demonstrado um sério risco de fuga.

- Somado a um ou mais destes requisitos a Autoridade Coatora (aquela que decreta a prisão) deve demonstrar que existe a prova da existência do crime (a materialidade) e o chamado indicio suficiente de autoria, que, em verdade, é o suporte probatório mínimo de provas que permita inferir que o individuo é o responsável por cometer determinado delito.

Como forma de arrematar o pensamento até então delineado, cumpre destacar o art. 5º, LIV, da Constituição Federal, que assevera “que ninguém será privado de sua liberdade sem o devido processo legal”. Assim, devemos entender que a regra é que alguém somente possa sofrer restrições em sua liberdade havendo contra si um título executivo penal transitado em julgado.

Toda esta conjuntura buscou apenas demonstrar que o ordenamento jurídico prevê uma série de mecanismos visando evitar que a prisão preventiva seja utilizada de forma descabida. O intuito da Lei é dar a este instituto um verdadeiro caráter de excepcionalidade. Nos dizeres do consagrado Luiz Flávio Gomes, a prisão preventiva é a extrema ratio, até porque existem outros meios no ordenamento jurídico, para garantir a presença do réu nos atos processuais e a conveniência da instrução criminal, a exemplo das medidas cautelares insculpidas no art. 319, do Código de Processo Penal.

Trazendo este panorama para um contexto prático, vemos que, em diversos casos, a prisão preventiva é utilizada de forma indevida, sob fundamentos esdrúxulos, como o clamor social, ou, ainda, para delitos que de forma alguma permitem a incidência deste instituto, em razão do quantitativo da pena máxima em abstrato prevista para os mesmos.

Caso que está em bastante evidência, e que denota de forma voraz esta conjuntura é a decretação da prisão preventiva de 11(onze) dos 12 (doze) indivíduos que estão sendo investigados pela prática dos crimes de Cambismo e Associação Criminosa durante a Copa do Mundo. Esta prisão é absurda.

Sem adentrar no mérito desta incoerente figura típica que é o Cambismo, haja vista que milhares de pessoas seriam presas, se este delito fosse realmente levado a sério, tem-se que este crime previsto no art. 41-F, do Estatuto do Torcedor, bem como o novo delito de Associação Criminosa, preconizado no art. 288, do Código Penal, possuem penas pouco expressivas, que somadas, em seu teto máximo, atingem a importância de 05 (cinco) anos.

Em outras palavras, caso estes indivíduos sejam condenados ao final do processo, se for fixada a pena máxima, o que com certeza não ocorrerá, já que são em sua imensa maioria réus primários, eles seriam submetidos ao Regime Semiaberto. Isso, por si só, denota a arbitrariedade destas prisões preventivas, que servem, em verdade, de arcabouço para a tentativa do Brasil mostrar para o mundo, a efetividade de um Poder Judiciário, que, na realidade prática, sabemos que não existe.

É lastimável a banalização das prisões preventivas, que contribuem decisivamente para o aumento da população carcerária e, via de consequência, para a situação deplorável em que se encontram as penitenciárias do nosso país.
Em dados concretos, segundo o novo levantamento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) a população carcerária de presos preventivos já foi de mais de 50%. Hoje, em decorrência das prisões domiciliares, este número está em 32%. Em Sergipe, este número já chegou a ser de 76%, isso mesmo, 76%, e hoje alcança o patamar de 43%.

Enfim, sem querer adentrar mais no mérito do falido sistema penitenciário que possuímos, que em verdade é uma “Escola do Crime”, encerro esta análise salientando que é preciso uma reformulação da visão do Poder Judiciário e da própria população acerca do instituto da prisão, que a cada dia se torna mais defasado e menos eficiente para cumprir a sua função social de punição e ressocialização.

“Jogar” supostos culpados nestas penitenciárias é conceber supostos criminosos, é contribuir para a piora deste sistema carcerário, é utilizar a prisão preventiva de forma arbitrária, em situações em que não estão presentes, de forma reluzente, os requisitos para medida tão drástica. A Justiça não pode ser “de faz de conta”, imediatista. A Justiça precisa, a cada dia, fortalecer a sua credibilidade, mas sem fugir dos ditames da lei, ai estando englobados os princípios da dignidade da pessoa humana, da razoabilidade, da presunção de inocência, da necessidade e da fundamentação das decisões judiciais.




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