quarta-feira, 14 de maio de 2014

A Lei de Execução da Pena e a sua equivocada interpretação pelo Ministro Joaquim Barbosa

Confesso que sempre fui um fervoroso admirador do Ministro e atual Presidente do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa. É fato. Sua postura de independência e altivez, demonstrada, notadamente, para a população brasileira de um modo geral, no caso da Ação Penal nº 470 – O Mensalão – sempre foram uma verdadeira fonte de inspiração.

Inobstante esta constatação, tenho que admitir que o eminente Ministro, em sua luta incessante para demonstrar a força do Poder Judiciário Brasileiro, tem deixado de lado o correto aspecto técnico que deve, obrigatoriamente, integrar uma decisão judicial, para, em contrapartida, solidificar a sua rígida postura em face, especialmente, dos mensaleiros, a exemplo do ex-ministro José Dirceu e o ex-deputado Joao Paulo Cunha.

Um Magistrado deve ser um correto aplicador da lei, interpretando-a de acordo com o disposto na Carta Magna – a Constituição Federal. Em outras palavras, decisões judiciais não devem ter um condão político, ou mesmo servir de instrumento para demonstrar a sociedade uma resposta que a lei não permite. A imparcialidade, pedra angular do exercício da Magistratura deve ser preservada, pois, do contrario, o Juiz deixa de ser um julgador e se transforma em um verdadeiro persecutor.

Trazendo esta conjuntura para uma realidade pratica, salta os olhos a decisão proferida pelo Ministro Joaquim Barbosa no sentido de negar o trabalho externo aos mensaleiros condenados ao regime Semiaberto. Trata-se de uma verdadeira anomalia jurídica e um atentado aos direitos fundamentais, que são parte integrante de todo e qualquer cidadão, mesmo os que se encontram recolhidos em penitenciárias.

Dito isto, cumpre tecer alguns esclarecimentos acerca do Regime Semiaberto. Em tese, neste regime, o apenado deve cumprir a pena em Colônias Agrícolas, Industriais ou similares. Em razão do Brasil, de um modo geral, nunca ter cumprido a determinação legal e construído as mencionadas colônias, já é postura pacificada e uníssona dos nossos Tribunais, permitir que o apenado ao cumprimento da pena no regime semiaberto exerça o trabalho externo durante o dia, e volte no período noturno a se recolher na penitenciária. Tal medida visa primordialmente a reinserção e a reintegração social do condenado.

Frise-se: O Trabalho é condição sine qua non do Regime Semiaberto. É meio de ressocialização. O que fez o eminente Ministro foi dar uma interpretação totalmente restritiva a uma parte do art. 37, da Lei de Execução Penal, visando prejudicar os mensaleiros condenados ao Regime Semiaberto. Em sua decisão, Joaquim Barbosa alegou que para iniciar o trabalho no referido regime, o apenado deve ter cumprido 1/6 da pena. Isso não é a verdade que transparece no ordenamento jurídico pátrio.

É primado básico da Hermenêutica o fato de que as leis devem ser interpretadas de modo sistêmico, em conjunção com outros dispositivos, de modo a proporcionar a harmonia do ordenamento jurídico vigente. O cumprimento de 1/6 da pena presente no art. 37, da LEP, não é visto com bons olhos por praticamente toda a comunidade jurídica brasileira, haja vista que este pensamento termina por dar tratamento de Regime Fechado, ao apenado que se encontra em Regime Semiaberto.

Neste compasso, veja-se esclarecedora decisão do Superior tribunal de Justiça (STJ):

EXECUÇÃO PENAL. PENA DE RECLUSÃO. PRISÃO DOMICILIAR. PRESSUPOSTOS. INEXISTÊNCIA. LEP, ART. 117. BENEFÍCIO DO TRABALHO EXTERNO. CONCESSÃO DE OFÍCIO.
- Somente é admissível o cumprimento de pena em residência particular se o condenado beneficiário do regime aberto enquadra-se em uma das situações previstas no art. 117, da Lei de Execução Penal.
- Admite-se o benefício do trabalho externo ao condenado que inicia o cumprimento da pena em regime semiaberto, independentemente do cumprimento de 1/6 da pena, se a situação fática e as condições pessoais do paciente o favorecerem. Precedentes.
- Na espécie, a paciente é possuidora de bons antecedentes, tem residência fixa e trabalha há três anos como empregada doméstica para a mesma família, possuindo ainda dois filhos menores que vivem as suas expensas. Habeas corpus concedido. (STJ - HABEAS CORPUS Nº 17.035 – SP)

Não pode se fundamentar a decisão no fato da ineficiência estatal em fiscalizar o trabalho externo desempenhado pelos apenados. Eminente Ministro, eles não estavam cumprindo a pena da forma que desejam, como salientado na decisão que revogou o direito ao trabalho externo, eles estavam cumprindo a pena da forma que a lei preconiza e da forma que todos os Tribunais pátrios e o próprio STJ tem entendido.

A alegação de que eles podem executar trabalho dentro das penitenciárias é um ultraje. Ora, o trabalho dentro das penitenciarias é típico do Regime Fechado. Estes mensaleiros foram condenados ao regime semiaberto e devem receber tratamento que guarde consonância com este regime. É isso e ponto.

Não estou aqui para defender estes indivíduos que tanta repulsa me causam. Definitivamente não. Estou aqui para defender a Constituição, que é expressa ao denotar que a interpretação da Lei deve ser feita em favor do réu, da pessoa humana. Estou aqui para afirmar que é impossível que praticamente toda a comunidade jurídica pense de uma forma e o Presidente do Supremo pense de outra.

Sem trabalho externo resta descaracterizado o regime semiaberto, o qual estes mensaleiros foram condenados. O crime por eles cometido é de extrema gravidade, e ao meu ver merecia uma reprimenda legal maior, inclusive para que fossem submetidos inicialmente ao Regime Fechado. Mas é certo que, se isto não ocorreu, não pode o Estado se utilizar de meios ardilosos para impor aos mesmos este regime mais gravoso de cumprimento da pena.

O pior disso tudo é que existirá uma grande possibilidade destes indivíduos pleitearem ações de indenização cível em face do Estado, visando serem ressarcidos moralmente e materialmente, por estarem recolhidos indevidamente nos estabelecimentos penitenciários, sendo-lhes privado o direito constitucional ao trabalho.

E ainda mais estarrecedor, este dinheiro que pagará estas indenizações, já que o plenário do STF certamente deverá cassar a decisão monocrática do Ministro Joaquim Barbosa, sairá dos nossos bolsos, dos nossos impostos, para novamente ir para os bolsos deles!


Um comentário:

Tatiana Carla disse...

Leonardo, parabéns pelos seus textos. Leio todos.