quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Análise do caso Santiago Andrade – Jornalista morto da TV Bandeirantes – Parte 1

As manifestações e as atitudes repudiantes de violência praticadas por alguns grupos que nela se infiltram com o intuito de propagar o medo, a depredação e o confronto, chegaram ao seu ápice nesta última semana com a morte do jornalista cinematográfico da TV Bandeirantes, Santiago Andrade.

Vemos que a situação tomou proporções extremas e a mídia, as entidades representativas de diversos seguimentos, exercem uma grande pressão sobre as autoridades públicas para que o caso seja resolvido de forma rápida e severa, punindo-se os responsáveis com o maior rigor possível. Espero, sinceramente, que toda essa pressão, não faça os operadores do direito que estarão envolvidos no caso, se esquecerem dos primados básicos da Lei penal brasileira, isto porque o caso em tela guarda em seu âmago diversas nuances que precisarão ser analisadas com bastante frieza, senão veja-se:

Primeiramente gostaria de falar sobre o possível indiciamento dos acusados, que ao que tudo indica, os mesmos serão enquadrados pela prática de Homicídio doloso qualificado, ou seja, quando existe a manifesta intenção de ceifar a vida de outrem.

Cumpre destacar que o caso trata-se de situação que configura o chamado “ERRO NA EXECUÇÃO”, já que em tese os agentes pretendiam acertar o material explosivo nos policiais, ou simplesmente assustá-los, mas em virtude de um acidente alheio as suas vontades, a bomba lançada atingiu a cabeça do jornalista que filmava o confronto.

Numa explicação simples, no erro de execução, o direito dá uma solução interessante: Como consta no art. 73, do Código Penal, o agente responde como se tivesse praticado o crime contra quem pretendia praticar. Em outras palavras, a lei considera a vontade inicial do agente - deve-se considerar como praticado o crime contra a pessoa pretendida, não contra a atingida. Na situação vertente, alegam as autoridades policiais responsáveis pelo inquérito que o intento dos investigados era ceifar a vida dos policiais com quem confrontavam naquele momento, para assim responderem pelo crime de homicídio doloso qualificado.

Desta assertiva lanço a primeira indagação, que certamente será exaustivamente debatida no bojo do processo criminal: Será que a verdadeira intenção dos agentes ao lançarem aquela bomba foi matar os policiais?

E mais: Eles tinham plena consciência de que o material utilizado tinha o potencial lesivo de causar a morte de um individuo?

Não cabe a mim responder esses questionamentos, mas o certo é que eles só poderão ser penalizados pela pratica de Homicídio doloso na forma qualificada, em que a pena é de 12 a 30 anos, se as respostas para tais perguntas forem afirmativas, o que deverá ser cabalmente demonstrado pelo órgão acusatório nos autos do processo a ser movido em face dos ora investigados.

O homicídio doloso pressupõe que o agente tenha a vontade e a consciência livre de que a sua conduta irá resultar na morte de um indivíduo. Em nosso direito penal, o elemento subjetivo é condição primordial para o enquadramento do delito a uma determinada situação fática.

Em síntese, deve o agente responder de acordo com a sua intenção, com o seu desígnio, existindo em nosso Código Penal, apesar de notadamente ultrapassado, meios de qualificar a pena em caso do resultado ter sido o diverso do pretendido pelo agente, seja para diminuir a reprimenda, como no caso da Tentativa de Homicídio, seja para aumentá-la, como no caso da Lesão Corporal grave seguida de morte.

Trazendo este contexto para o crime que ora se debruça, gostaria de enfatizar as prováveis teses defensivas. A primeira deverá ser baseada na pratica do crime de Homicídio Culposo, quando não existe a intenção de matar e o delito ocorre em razão de uma conduta negligente, imperita ou imprudente do agente; subsidiariamente a defesa deve alegar a prática do delito de Lesão Corporal grave seguida de morte, prevista no art. 129, § 3º, do Código Penal.

A tese de homicídio culposo, com pena de 01 a 03 anos, certamente estará lastreada no fato de que os agentes não pretendiam acertar especificamente os policiais, ou qualquer outro individuo. Em verdade, deve-se alegar que a pretensão seria jogar o instrumento explosivo para cima visando assustar os policiais com quem confrontavam, mas por negligência e imperícia no uso da bomba, a mesma acabou atingindo a cabeça do jornalista, que acabou vindo a óbito.

Neste sentido, veja-se o que diz o art. 74, do Código Penal:

“Fora dos casos do artigo anterior, quando, por acidente ou erro na execução do crime, sobrevém resultado diverso do pretendido, o agente responde por culpa, se o fato é previsto como crime culposo; se ocorre também o resultado pretendido, aplica-se a regra do art. 70 deste Código.”

Esta tese está sendo aqui demonstrada com base no que foi dito pelo segundo individuo preso a sua mãe em ligação telefônica. Veja-se parte da reportagem divulgada pelo Jornal “Globo Rio”, edição de 12.02.2014, publicado às 09:26 horas:

Desesperada, a mãe, que disse ter reconhecido o filho nas imagens de TV, contou que não foi procurada por nenhum político e que o filho só não se entregou à polícia porque nenhum advogado ofereceu ajuda jurídica à família.

— Ele me disse: “Mãe, foi um acidente. A gente só usa a bomba para fazer barulho e assustar a polícia. Nunca tive a intenção de jogar em ninguém”.



A outra tese que certamente deve ser levantada pela defesa reside na desclassificação do crime de homicídio doloso para Lesão Corporal grave seguida de morte. Neste cenário, veja-se o que preconiza o art. 129, § 3º, do Código Penal:

Art. 129 - Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem:
§ 3º - Se resulta morte e as circunstâncias evidenciam que o agente não quis o resultado, nem assumiu o risco de produzi-lo:
Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 12 (doze) anos.

Neste caso, a defesa deverá alegar a existência do chamado crime preterdoloso, em que o agente tinha inicialmente a intenção de praticar um crime menos grave, porém obtém um resultado mais danoso que o pretendido. Noutros dizeres, os agentes pretendiam inicialmente ferir os policiais com o material explosivo, mas por culpa, em suas modalidades negligência e imperícia, acabaram ceifando a vida do jornalista, o que caracterizaria o erro na execução, já explanado, e, via de consequência, o crime de Lesão Corporal grave seguida de morte, que tem uma reprimenda menor do que o crime de homicídio doloso qualificado.

Vale ressaltar as explicações aqui lançadas são meramente ilustrativas, com base em uma analise superficial deste caso que obteve tanta repercussão na mídia nacional. Repise-se: Trata-se de uma analise jurídica, sem ser tendenciosa, mas revelando alguns aspectos que indubitavelmente serão debatidos no processo criminal a ser instaurado pelo Ministério Público.

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